Arapiraca

“Filho é filho, não importa de qual barriga nasceu”, afirma mãe que tem filhos biológico e adotado

Elane Ribeiro afirma que amor por filhos é igual, mas preconceito ainda machuca

Por Patrícia Bastos/ 7Segundos 06/05/2021 18h06 - Atualizado em 07/05/2021 09h09
“Filho é filho, não importa de qual barriga nasceu”, afirma mãe que tem filhos biológico e adotado
Elane Ribeiro e os dois filhos: João de 6 anos e Nilo, de 3 - Foto: Arquivo pessoal

‘Mãe do coração’ ou ‘mãe afetiva’, são termos criados para suavizar o conceito da mulher que tem filho adotado. A intenção é agregar afeto ao ato de adoção, mas ao mesmo tempo coloca em degraus diferentes as mãe adotivas das mães biológicas, que são chamadas simplesmente de mães.

A psicóloga e professora Elane Ribeiro, mãe de João, de 6 anos, e de Nilo, de 3 anos, conhece bem o peso de não ter carregado o filho mais velho na própria barriga nesta sociedade permeada por preconceitos. Mas atesta: “João é meu filho tanto quanto o Nilo. O amor, a educação, e até as brigas são iguais. Não tem diferença. Filho é filho, não importa de qual barriga nasceu”, declarou.

A história da chegada dos filhos de Elane Ribeiro e do esposo, o dentista Kleginaldo Araújo, é cercada de emoção e, por isso, ela é uma das homenageadas da série de reportagens Mãe - Força e Afeto, do 7Segundos. A decisão de adotar uma criança veio após eles enfrentarem dificuldades para conseguir engravidar de forma natural e duas fertilizações in vitro que não deram certo. “Antes da segunda tentativa, eu já falava que era a última, porque é um processo que desgasta muito. Só que o desejo de ter um filho só aumentava e, então conversei com o Kel [esposo] e nós resolvemos adotar”, relata.

A psicóloga e o marido deram início ao processo de adoção na Vara da Infância e ficaram surpresos com a indiferença e frieza no atendimento. “Na época, eu trabalhava no Cras e quando a gente visitava as creches, eu ficava olhando os bebês e pensava: como será meu filho? será que vai ser menino ou menina? E isso é uma forma de gestação também, porque estava me preparando para ter meus filhos nos braços, embora não tivesse uma gravidez biológica”, relata.

Psicóloga e o marido, o dentista Kleginaldo Araújo, durante passeio com os filhos

E então o João chegou. O pessoal da Vara da Infância entrou em contato perguntando se eles queriam um bebê de sete meses e em poucas horas, eles estavam com o João em casa. E aí a rotina do casal virou de cabeça para baixo.

“Nos dois primeiros dias, recebemos muitas visitas de parentes e amigos, mas quando me dei conta de como seriam as coisas dali para a frente, entrei em desespero. Falei que não queria receber ninguém em casa e chorei muito. Depois fui perceber que aquelas incertezas, que aquele momento que eu estava passando era o puerpério. O que a gente costuma chamar de resguardo não serve só para a mulher se recuperar fisicamente do parto e nem dura exatos 40 dias. É um período em que há a construção dos vínculos. E foi assim com a gente. Depois da surpresa inicial, o vínculo foi se construindo dia após dia”, relata.

Anos depois, mais uma surpresa. Apesar de os médicos dizerem que as chances de gestação por meios naturais serem perto de zero, Elane engravidou do Nilo. Apesar de prematuro, ela teve o parto natural e conseguiu amamentar, como desejava.

O impacto dessa nova experiência com a maternidade foi tão grande que a psicóloga passou a fazer cursos e se tornou doula. Com um grupo formado por outras profissionais da doulagem, elas formaram um grupo multidisciplinar e criaram um espaço para atender gestantes em Arapiraca. Mas a pandemia e a dificuldade de conciliar a atividade com os outros trabalhos, fez ela suspender o atendimento. “Hoje faço apenas atendimento online, de apoio psicoemocional às gestantes, mas a ideia de ter um espaço para atender essas mães na gestação biológica, como também as mães que adotam continua firme”, ressalta.

Respeito e preconceito


João não só sabe que é adotado como gosta de ouvir a história sobre como chegou à família

Aos seis anos, João não só sabe que é adotado, como costuma pedir aos pais para contar a história de como chegou à família. “A gente aproveita para ensinar sobre respeito, mostrando que existem vários tipos de família e que as pessoas são diferentes uma das outras. É uma oportunidade de ensinar a ele, e ao Nilo também, sobre respeito”, declarou.

A importância dessa lição fica provada no dia a dia, nas situações de preconceito que ele ainda não compreende. Olhares tortos, perguntas nada inocentes, tipo “quem é este menino?” ou “esse menino é filho de quem?”.

“Sempre que acontecem essas situações, eu sempre dou uma devolutiva. Digo que ele é meu filho, que ele e o Nilo são irmãos e que eles não se parecem porque não são gêmeos. Só a primeira vez que isso aconteceu que fiquei sem palavras. Algumas pessoas ficam sem graça, outros pedem desculpas e tem aqueles que simplesmente não ligam. O preconceito é muito grande”, falou.

A visão errada sobre a adoção vêm não só de pessoas que tentam deslegitimar os laços não são consanguíneos, como também de pessoas que elogiam a adoção. “A gente ouve também que o João teve sorte em ser adotado, como se a gente estivesse fazendo uma caridade. Mas adoção não é caridade, é parentalidade mesmo. É amar como mãe e como pai. Nós que tivemos sorte de o João entrar em nossas vidas”, ressaltou.