Polícia

Igreja Universal é investigada por movimentações bancárias suspeitas na Argentina

Inquérito apura origem de mais de US$ 100 milhões depositados por pastores entre 2010 e 2014 nas contas da filial da Iurd no país

Por Publica 17/08/2020 09h09
Igreja Universal é investigada por movimentações bancárias suspeitas na Argentina
Igreja Universal é investigada por movimentações bancárias suspeitas na Argentina - Foto: Maximiliano Luna/Infobae

Ao menos US$ 100 milhões em numerosas movimentações bancárias suspeitas levaram a Justiça Federal da Argentina a abrir uma investigação preliminar para apurar operações financeiras nas contas da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) no país entre 2010 e 2014. A informação consta em documentos obtidos pela investigação transnacional “Paraísos de Dinheiro e Fé”, realizada pelo Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (Clip, na sigla em espanhol) e o programa de pós-graduação da Universidade Columbia, em parceria com 9 veículos de imprensa da América Latina – entre eles o portal argentino Infobae e a Agência Pública.

A investigação contra a filial da igreja brasileira, que teve início em 2017, averigua suposta lavagem de dinheiro após a constatação de “aumentos significativos de depósitos em espécie”, sem comprovação de origem lícita, nas contas bancárias da entidade religiosa, segundo documento judicial obtido pelo Infobae, ao qual a Pública teve acesso.

Na Argentina, organizações, inclusive as religiosas, que recebem doações acima de um limite estabelecido devem obter uma declaração sobre a origem dos fundos recebidos. Naquele momento, o valor estipulado era de 400 mil pesos (cerca de R$ 30 mil). Segundo informações fornecidas por fontes judiciais ao Infobae, em um período de cinco anos, as transferências sem comprovação nas contas da Iurd somaram 831 milhões de pesos argentinos (cerca de US$ 100 milhões, na cotação do período da investigação).

A apuração das contas da Iurd é um desdobramento de um processo judicial contra o empresário argentino Ricardo Alberto Cis, hoje pastor da igreja em Guarulhos, cidade da região metropolitana de São Paulo. Cis foi investigado por evasão de divisas em uma ação que apurava a compra da Radiodifusora Esmeralda S.A., proprietária da Rádio Buenos Aires. Rebatizada como Rede Aleluia, atualmente a emissora pertence ao núcleo midiático da Iurd na Argentina.

Cis passou a ser investigado na Justiça Federal de San Isidro, cidade da região metropolitana de Buenos Aires, após uma denúncia da Administração Federal de Receita Pública (Afip, na sigla em espanhol), agência do Ministério da Economia que é a autoridade tributária da Argentina.

Dez anos depois de sua abertura, o processo contra o pastor e empresário argentino foi arquivado por conta de uma modificação na legislação penal tributária que reduziu o delito a uma “evasão simples” – por causa da alteração, o prazo para a investigação diminuiu e a ação prescreveu. Mas a juíza federal Sandra Arroyo Salgado, que conduzia o processo contra Cis, decidiu abrir uma investigação específica contra a Iurd após análise dos informes patrimoniais e financeiros das pessoas físicas e jurídicas envolvidas na compra da Radiodifusora Esmeralda.

As informações foram reunidas pela Unidade de Inteligência Financeira (UIF), autarquia ligada ao Ministério da Economia e dedicada a prevenir crimes financeiros, como a lavagem de dinheiro. No relatório, o órgão indica que Cis, que publicamente estava à frente da tentativa de aquisição da Rádio Buenos Aires por US$ 15 milhões, em 1999, pode ter atuado como intermediário nas negociações – quando a beneficiária seria na realidade a Igreja Universal do Reino de Deus. Na época, a legislação argentina impedia que as emissoras fossem filiais, subsidiárias ou “controladas ou dirigidas por pessoas físicas, ou jurídicas estrangeiras”.

A Afip, equivalente à Receita Federal no Brasil, também detectou inconsistências nas declarações de renda de Cis no período fiscal de 1999-2000, e, segundo o órgão, o empresário não poderia justificar a origem de fundos para a aquisição da rádio.

Durante essa investigação, em julho de 2017, o relatório da UIF identificou ao menos doze Registros de Operações Suspeitas (ROS) contra a Igreja Universal. Para o órgão, as movimentações poderiam ser indícios de um esquema de lavagem de dinheiro. Por isso, a juíza Arroyo Salgado decidiu pela abertura de um inquérito contra a igreja, separadamente do processo hoje arquivado, contra o pastor Ricardo Cis. Após o parecer da magistrada, uma discussão de competência da nova investigação retardou o início da apuração em um ano. Em 2019, a investigação foi encaminhada ao foro Penal Econômico Federal e está a cargo do fiscal Emilio Guerberoff.

Por mais de uma semana, a Pública pediu insistentemente o posicionamento da assessoria de imprensa da Igreja Universal do Reino de Deus sobre o caso, além de esclarecimentos sobre a relação financeira entre a matriz brasileira e a filial argentina, mas não obteve retorno até o fechamento. A reportagem tentou contato também com o pastor Ricardo Cis por meio de suas redes sociais e e-mail.

Na Argentina, o Infobae entrou em contato com a presidente da igreja no país, Idinei María Oracz de Assis, que se recusou a comentar o caso. Ela afirmou que “devido à atual situação de isolamento [pelo coronavírus], a Comissão Diretora da Instituição se encontra impossibilitada de tratar do tema”.