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Preso com 39 kg de droga na Espanha, sargento segue na FAB e recebe salário

Por Uol 02/08/2020 18h06
Preso com 39 kg de droga na Espanha, sargento segue na FAB e recebe salário
O segundo-sargento da Aeronáutica Manoel Silva Rodrigues, preso em Sevilla, na Espanha, por transportar cocaína - Foto: Redes sociais

Preso na Espanha há um ano e um mês e condenado por tráfico de 39 kg de cocaína, o segundo sargento da FAB (Força Aérea Brasileira) Manoel Silva Rodrigues segue na ativa da instituição recebendo salário em dia. No Brasil, ele é réu por tráfico de drogas com valor estimado em R$ 6,3 milhões segundo o Ministério Público Militar. 

Segundo informações levantadas pelo UOL junto ao Portal da Transparência, apesar de estar detido e sem trabalhar desde junho de 2019, o militar recebe brutos R$ 8,1 mil mensais, incluindo verbas indenizatórias. Em novembro, o valor bruto chegou a R$ 14,5 mil, devido à gratificação natalina. Ao longo de todo esse período, seus salários somaram cerca de R$ 97,5 mil.

Segundo informações apuradas junto à Justiça Militar, no processo em que ele é réu, não houve pedido de bloqueio. Os pagamentos dizem respeito à questão administrativa da FAB.

Segundo a FAB, Rodrigues foi notificado da abertura do processo de exclusão. Mas para ser desligado administrativamente é necessário o trânsito em julgado (quando não cabe recurso) do processo judicial, que embasa o processo interno, segundo informou a FAB.

Além do processo que responde na Espanha, há uma acusação na Justiça Militar. O juiz da 2ª Auditoria da 11ª Circunscrição Judiciária Militar, Frederico Magno de Melo Veras, marcou para dia 20 de agosto uma audiência de instrução.

Nesta fase, o juiz vai ouvir testemunhas de acusação indicadas pelo Ministério Público. Ainda será necessário ouvir a defesa e testemunhas do sargento antes de o magistrado decidir sobre o caso. O juíz Veras solicitou à Justiça espanhola, via Ministério da Justiça, autorização para que Rodrigues participe da audiência por vídeo conferência.

A prisão de Rodrigues aconteceu em junho de 2019, durante viagem de Jair Bolsonaro (sem partido) à cúpula do G20. A cocaína estava na bagagem do sargento que voou em uma aeronave de apoio da comitiva presidencial. Ele não estava no mesmo voo do presidente.O sargento integrava uma equipe de 21 militares que prestava apoio à comitiva que acompanhou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na reunião do G-20, no Japão. A droga foi encontrada pela Guarda Civil da Espanha ao vistoriar a bagagem dele no aeroporto de Sevilha (Espanha).

À época da apreensão, a Guarda Civil da Espanha considerou que havia 39 kg de drogas. No Brasil, a investigação do Ministério Público Militar aponta que são 39 kg e foi com base nessa quantidade que Rodrigues foi denunciado e responde ao processo.

À ocasião, Bolsonaro disse que o sargento pagaria um preço alto pelo ocorrido e que "se fosse na Indonésia, pegaria pena de morte". E o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) o classificou como "uma mula qualificada", termo utilizado para designar quem faz transporte de droga.

Processos

Na ação espanhola, Rodrigues foi condenado a seis anos de prisão. O juiz do caso fixou multa em 2 milhões de euros (cerca de R$ 12 milhões). Durante o processo, o sargento disse que aquela foi a primeira vez que traficou drogas, porque seu salário "não é muito alto" e passava por dificuldades financeiras.

Segundo o jornal ABC de Sevilla, Rodrigues afirmou à Justiça que teria que entregar a droga para uma pessoa que lhe faria "um sinal" num centro comercial. O destino do entorpecente era a Suíça.

No Brasil, o promotor da Justiça Militar, Jorge Augusto Caetano de Farias, investigou a participação da então companheira de Rodrigues, um tenente-coronel (cargo de alta patente na FAB), dois sargentos e um soldado, mas pediu arquivamento da investigação. Com o pedido, o juiz do caso determinou o arquivamento e deu prosseguimento à denúncia contra Rodrigues.

Na acusação contra o sargento da FAB, o promotor pediu pena de prisão de até 15 anos por tráfico de drogas, podendo ser aumentada em até dois terços em razão do delito internacional e por considerar que ele utilizou-se da função.

Na denúncia, o promotor acionou a Lei de Drogas. É um mecanismo mais rígido. Pelo código penal militar, a penalidade máxima é de cinco anos para este tipo de crime.

A PF (Polícia Federal) também tem uma investigação sobre o caso, no Brasil. A suspeita é de que o sargento operava como "mula".

Outro lado


O advogado do sargento, Eric Furtado, do escritório Furtado e Jaime, não quis se manifestar. Ele disse ao UOL, por e-mail, que a pedido da família não dará entrevistas ou informações sobre o processo, que corre em segredo de Justiça.

A FAB e o Ministério da Defesa se pronunciaram utilizando o mesmo posicionamento.

Em nota, informaram que o "IPM (Inquérito Policial Militar) instaurado no âmbito do Comando da Aeronáutica para apurar o caso do sargento detido no aeroporto de Sevilha, Espanha, em 25 de junho de 2019, foi concluído dentro do prazo. Os autos foram encaminhados para a Auditoria Militar competente, que enviou para o Ministério Público Militar, a quem coube oferecer a denúncia, estando a ação penal em curso, conforme determina o Código Processo Penal Militar".

Segundo a FAB, foi dado início ao processo administrativo para exclusão do sargento e encaminhou pedido "para que o Estado espanhol efetive a notificação do militar".

"O Ministério da Defesa e a Força Aérea Brasileira (FAB) atuam firmemente para coibir irregularidades e repudiam condutas que não representam os valores, a dedicação e o trabalho do efetivo em prol do cumprimento de sua missão institucional", concluiu a nota.

A Embaixada da Espanha no Brasil foi procurada para comentar o caso, mas não quis se manifestar sobre o processo que corre na Justiça espanhola.