Sertão

Caatinga sofre degradação crônica mesmo em áreas sem desmatamento

Pesquisa mapeou o impacto crônico de atividades humanas em mais de 47 mil fragmentos da Caatinga

Por Agência Bori 12/07/2020 18h06
Caatinga sofre degradação crônica mesmo em áreas sem desmatamento
Ilustração: Caatinga - Foto: Reprodução/JCOnline

Apesar do desmatamento ser uma das maiores ameaças aos ecossistemas brasileiros, a ação humana em áreas não desmatadas também pode trazer impactos ambientais significativos para os diferentes biomas. É o que alertam pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em estudo publicado no dia 6/07 na revista inglesa Journal of Applied Ecology. O estudo revela que a maioria das áreas não desmatadas da Caatinga está potencialmente degradada por causa de ações humanas acumuladas ao longo de décadas ou séculos, o que os estudiosos nomeiam de perturbação antrópica crônica.

Segundo a pesquisadora Marina Antongiovanni, a perturbação antrópica crônica pode ser facilmente observada em campo. “Quando entramos em algumas áreas de caatinga, vemos trilhas e pegadas humanas, estradas de terra, troncos cortados à motosserra, pilhas de madeiras, gado, lixo e muitas outras coisas. Notamos também a ausência de árvores de grande porte e uma fauna depauperada. Em compensação, outras áreas de Caatinga parecem bem conservadas”, comenta a pesquisadora, que atualmente é sub-coordenadora de Meio Ambiente da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) do estado do Rio Grande do Norte.

A pesquisa desenvolveu métodos para estimar o grau de perturbação antrópica crônica para toda a Caatinga, que ocupava originalmente mais de 800 mil km2. Como os pesquisadores não podiam visitar pessoalmente os mais de 47 mil fragmentos de Caatinga que ainda existem, eles resolveram criar um índice matemático de perturbação antrópica crônica baseado em informações disponíveis em banco de dados oficiais, pertencentes ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e outros. Entraram nesta avaliação dados como a localização dos fragmentos de Caatinga, a densidade populacional humana, a existência de estradas asfaltadas e de terra batida, de usinas eólicas e de criação de gado bovino, cabras e ovelhas, entre outros.

Os resultados do estudo apontam que o nível e a causa de degradação dos fragmentos de Caatinga variam muito dependendo da região. Os fragmentos da região norte e leste estão mais perturbados do que os da região sul e oeste. No litoral, a Caatinga é muito afetada pelo pastejo do gado bovino, enquanto a região norte, no estado do Ceará, é afetada pelas queimadas. A menor densidade de estradas na região leste ajuda a explicar a existência de grandes áreas de Caatinga ainda intactas no Piauí e na Bahia.

Para os pesquisadores, o estudo lança luz sobre o fato da Caatinga sofrer de um problema crônico de degradação ambiental capaz de reduzir a sua biodiversidade, o que compromete o funcionamento do seu ecossistema. O pesquisador Eduardo Martins Venticinque, da UFRN, ressalta que “os efeitos da degradação ambientam da Caatinga podem levar à extinção de espécies, a alterações de ciclos geomorfológicos e, até mesmo a alterações climáticas, acentuando os períodos de seca e de desertificação de algumas áreas”. As populações que fazem uso destas terras seriam diretamente atingidas.

A revelação de áreas intactas da Caatinga pelo estudo pode ser uma oportunidade para a conservação do bioma, alerta o pesquisador Carlos Roberto Fonseca. “Atualmente sabemos que a Caatinga possui centenas de espécies que não existem em nenhum outro lugar do mundo. Cabe ao Governo Federal e aos Governos Estaduais liderarem iniciativas para proteção de nossa biodiversidade, seja através de práticas de manejo adequados à Caatinga, restauração de seus ecossistemas ou expansão da rede de Unidades de Conservação” – completa o pesquisador.