Polícia

Covid: Brasil contará 10 mil mortes no dia em que Bolsonaro chama churrasco

1,5 teste não específico a cada 1.000 habitantes que possui

Por Uol 09/05/2020 10h10
Covid: Brasil contará 10 mil mortes no dia em que Bolsonaro chama churrasco
Covid: Brasil contará 10 mil mortes no dia em que Bolsonaro chama churrasco - Foto: Bruno Kelly/Reuters

Após chegar a 145.328 casos oficiais e 9.897 óbitos por covid-19 ontem (8), o Brasil deverá superar a marca de 10 mil mortes oficialmente atribuídas à doença neste sábado (9), dia em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirma que realizará um churrasco.

Os óbitos pela doença causada pelo coronavírus subiram um patamar no Brasil nos últimos três dias, chegando a 751 mortes registradas ontem. É o novo recorde de vítimas fatais contabilizadas em 24 horas: haviam sido entre 600 e 615 da terça à quinta-feira. E o número de vítimas é ainda maior, dados a defasagem na atualização dos dados e a subnotificação.

Mesmo assim, Bolsonaro debochou da pandemia em dois dias seguidos desta semana. Na quinta-feira (7), em entrevista coletiva, o presidente falou em um churrasco no Palácio da Alvorada e estimou os convidados em cerca de 30 pessoas. "Vamos bater um papo, quem sabe uma peladinha", disse na ocasião.

Ontem, Bolsonaro insistiu no assunto, em uma espécie de convocatória a seus apoiadores. "Vou chamar uns 1.300 convidados, mas quem tiver amanhã aqui, se tiver mil, a gente bota para dentro", falou rindo.

Convite ou provocação, o fato é que o país está próximo de alcançar as 10 mil mortes oficiais por covid-19 mais rápido do que França e Estados Unidos — outros dois dos países mais atingidos nesta pandemia. Para o Brasil não bater as 10 mil mortes hoje, teria que registrar menos de 103 óbitos no dia, algo que infelizmente não ocorre desde 14 de abril.

Brasil deve chegar a 10 mil mortes mais rápido que EUA

Com base nos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o UOL fez um levantamento para comparar a velocidade com que outros cinco países chegaram a tal número de mortos. A lista considera a data do primeiro caso oficial e a da 10.000ª morte contabilizada. O Brasil diagnosticou seu primeiro paciente com covid-19 em 26 de fevereiro, portanto 73 dias antes deste sábado (9).

Nesta mesma métrica, o Reino Unido chegou a 10 mil óbitos nos mesmos 73 dias; a França, em 75; e os Estados Unidos, em 79. Entre os países que já ultrapassaram essa marca de mortes nesta pandemia, somente Itália (60 dias) e Espanha (63) o contabilizaram mais rápido do que o Brasil.

Esta comparação naturalmente requer cuidado, pois os países são diferentes demograficamente e também estão em momentos distintos dentro da pandemia: EUA e Brasil ainda veem seus casos de covid-19 escalar, enquanto os europeus parecem já ter passado pelo pico de contaminação.

No entanto, a contraposição dos dados ao menos sugere que, no Brasil, a doença escala tão ou mais rápido do que nos países que contabilizam mais vítimas no mundo.

"O grande problema é a falta de testes. Há muitos casos que ficaram como suspeitos: tiveram uma Síndrome Respiratória Aguda Grave e suspeita de covid-19, mas nunca foram confirmados. Com os óbitos acontece a mesma coisa. E também há os óbitos [de covid-19] que, por vários motivos, nunca chegaram a ser internados, e parte deles é classificada como causa indefinida", afirma Eliseu Waldman, infectologista da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

Do 1º caso às 10 mil mortes (com base em dados da OMS):

Itália, 60 dias

Espanha, 63 dias

Brasil e Reino Unido, 73 dias (caso aconteça de fato hoje, 9, no Brasil)

França, 75 dias

EUA, 79 dias

Números podem esconder tragédia ainda maior

Os números frios, no entanto, não mostram o tamanho da subnotificação de casos de covid-19. Ao contrário da grande maioria de países, o Brasil não divulga quantos testes da doença foram realizados até hoje. Segundo dados do Ministério da Saúde, nesta pandemia foram realizados 322 mil testes não específicos da covid-19 (que identificam vírus respiratórios no geral).

Mesmo os testes gerais são poucos, se comparados a outros países. O Brasil realiza apenas 1,5 teste não específico a cada 1.000 habitantes que possui, uma taxa comparável à Tailândia (1,29 teste por 1.000 habitantes), Paquistão (1,17) e Senegal (1,16) — os três países contabilizam testes específicos de covid-19.

Entre os países que, como o Brasil, já chegaram às 10 mil mortes oficiais por covid-19, a Itália é quem mais realiza testes da doença: são 39,3 por 1.000 habitantes. Em seguida estão Espanha (taxa de 28,9 por 1.000 pessoas); Estados Unidos (24,5); Reino Unido (16,8); e França (12,7) — as taxas são do site "ourworldindata.org", que compila as informações dos governos de cada país.

"Temos certeza de que há subnotificação de casos e mortes, mas o grau nós ainda vamos demorar a saber", diz o infectologista Eliseu Waldman. Ele explica que após a pandemia será possível estimar a subnotificação relacionando o sistema nacional de contabilização de óbitos, o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), e sabendo a letalidade aproximada da doença.

Subnotificação no Brasil pode ser da ordem de 1.200%

Quem testa menos naturalmente faz menos diagnósticos de covid-19, explica o epidemiologista Pedro Hallal, que é o reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ele esteve à frente de uma pesquisa que avaliou a subnotificação da doença no estado do Rio Grande do Sul e concluiu que, para cada caso oficial, há outros 12 que não aparecem nas estatísticas.

Desta forma os casos já confirmados pelo RS seriam apenas "a ponta do iceberg", nas palavras de Hallal. A mesma lógica vale para todo o Brasil: a Faculdade de Medicina da USP calcula que o número real de casos já passe de 1,6 milhão.

"Existe uma ponta que é visível, que fica acima do nível do mar, que é representada pelos casos que aparecem nas estatísticas oficiais e tem a tendência a serem os casos mais graves. E tem todas as pessoas que têm sintomas mais leves e não vão ser testadas, mas também foram infectadas pelo vírus da covid-19", explica Hallal, que nesta semana participou de um UOL Debate sobre o tema (assista abaixo).