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Maria da Penha: todos conhecem mas poucos entendem como realmente funciona

Advogadas explicam as dúvidas frequentes sobre a Lei Maria da Penha

Por Taísa Bibi 06/03/2020 17h05
Maria da Penha: todos conhecem mas poucos entendem como realmente funciona
Comissão da Mulher Advogada da OAB/Arapiraca - Foto: 7 Segundos

A Lei Maria da Penha, ou Lei 11.340 de 07/08/2006, é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, perdendo apenas para Espanha e Chile. O primeiro lugar ficou com a lei espanhola considerada a melhor legislação no enfrentamento à violência doméstica seguida pela legislação chilena. No Brasil vários foram os avanços alcançados com a Lei, porém ainda existem muitas dúvidas sobre sua aplicabilidade.

Uma dúvida muito comum é a questão do homem vítima de violência doméstica poder se enquadrar na Lei Maria da Penha, e não é possível. O agressor pode ser um homem ou uma mulher, a vítima, para se enquadrar na Lei, deve ser uma mulher. Como explica a advogada Paula Tainá.

“O sujeito ativo na Lei Maria da Penha podem ser tanto homens quanto mulheres, e aí entra o filho, marido, ex-companheiro, ficante, companheira. O sujeito passivo tem que ser uma mulher ou transgêneros e transexuais, que não precisam necessariamente ter passado por cirurgia, e nem mudado de nome”, explica Paula Tainá. Os casos de homens que são agredidos pelas companheiras são enquadrados na legislação já vigente no Brasil.

São três grandes grupos que sofrem violência doméstica: “mulher adulta; as crianças mulheres que infelizmente sofrem esse tipo de violência; e as idosas, que muitas vezes sã agredidas pelos filhos, os mais comuns são filhos que são usuários de drogas ou alcoólatras”, complementa a advogada.

Para ser enquadrado na Lei Maria da Penha existem três esferas, como explica Paula Tainá. “A unidade doméstica, incluindo funcionárias domésticas; qualquer relação íntima de afeto, a Lei não delimita tempo, por exemplo um ficante, ele também pode ser enquadrado; e no âmbito familiar, não precisa ser considerado família, casos de pessoas que dividem o mesmo ambiente, como amigas que dividem apartamento também se enquadram. Teve vínculo com a vítima, se enquadra na Lei Maria da Penha”.

Ciclo da Violência

O ciclo da violência também deve ser levado em consideração, primeiro acontecem as agressões verbais, depois a agressão física e por último a lua de mel, onde o agressor promete que não vai mais fazer aquilo, e atribui o comportamento a fatores externos como álcool e drogas.

“Esse ciclo tende a se repetir em um espaço de tempo cada vez menor. Muitas vezes as mulheres não têm coragem de romper esse ciclo, e infelizmente vem a pagar com a própria vida, por essa falta de encorajamento familiar e social. As mulheres também precisam dessa força, desse acolhimento, e muitas vezes a família precisa intervir”, disse Paula Tainá.

Para as advogadas em “briga de marido e mulher, se mete sim a colher”. “Essa questão de em briga de marido e mulher ninguém mete a colher, precisa ser rompido, isso ficou no passado. A questão da subnotificação é um problema, porque quando a mulher vem romper esse ciclo ela já está há anos sendo violentada. E na maioria dos casos, a mulher não rompe esse ciclo porque não tem para onde ir, e depende financeiramente do agressor”, explica Cárbia Cristine.

Outro avanço da Lei é a não retirada de queixa. De acordo com a advogada Paula Tainá, hoje não é mais tão simples uma mulher tirar a queixa de agressão e decidir não seguir mais com o processo. “Hoje não é mais tão vago, a mulher não pode simplesmente desistir da denúncia, sendo lesão corporal a mulher só pode dispor em uma audiência específica para essa finalidade. O que acontecia antes era que a mulher ia até a delegacia e dizia não quero mais, hoje em dia existe um cuidado, porque o que acontecia era que essas mulheres muitas vezes sob ameaça desistiam, e agora existe esse olhar mais humanizado, o juiz chama em uma audiência específica para essa finalidade, para que ele sinta se aquela mulher de fato quer renunciar ou se ela está sendo coagida a fazer aquilo”.

Medidas protetivas

As medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha podem ser desde o afastamento do lar até pagamento de pensão. “A Lei não é taxativa, é exemplificativa, então podem ter medidas que não estão na lei, vai depender de cada caso. A Lei Maria da Penha trouxe uma inovação, porque a partir da Lei outros ordenamentos jurídicos também surgiram, como ramificações para que se tivesse uma efetividade maior”, explica Paula Tainá. 

Nas cidades que não são sede de Comarca, ou seja não que não possuem Fórum, o delegado pode instituir uma medida protetiva de urgência. “Nesse caso o delegado fica um pouco mais restrito, e pode aplicar a medida de afastamento do lar e também o policial, na Lei não especifica civil ou militar, na ausência do delegado, também pode conceder uma medida protetiva de urgência”, completa a advogada.

Dessa forma as mulheres vítima de violência doméstica passam a ter medidas protetivas de urgência em mesmo de 24 horas após a agressão. Sobre a durabilidade das medidas protetivas, Paula Tainá explica que “alguns juízes de primeiro grau ainda instituíam um prazo de 90 dias, e houve reclamação para que essa medida dure no prazo em que o processo tramita ou que pelo menos assegurassem uma proteção maior para aquela mulher”.

Assim as medidas protetivas se tornam um dos mecanismos mais eficazes na Lei Maria da Penha. “Aqui em Arapiraca nós temos um juizado específico que trata da violência contra a mulher. A Lei Maria da Penha estabeleceu a delegacia da mulher para ser o principal atendimento, para ter um atendimento melhor e mais humanizado, e estabeleceu também os juizados que cuidam da violência contra a mulher. Como a medida protetiva é um mecanismo realmente eficaz, aqui em Alagoas, especificamente em Arapiraca, já foi inclusive distribuído tornozeleiras eletrônicas, e hoje temos a Patrulha Maria da Penha, com a major Daniele que está à frente da patrulha em Alagoas, no ano passado houve um treinamento em Arapiraca para ser implantada aqui também”, disse Paula Tainá. 

“É uma conquista muito grande a Patrulha Maria da Penha, porque é ela quem vai assegurar todas as medidas protetivas, porque eles pegam esse cadastro dos agressores e ficam visitando as casas das vítimas, com rondas periódicas. Chegamos na delegacia da mulher e o ambiente não é acolhedor, e nem todos os que lá estão aptos para fazer o atendimento necessário, e a Patrulha vem para mudar isso”, acrescentou a advogada Cristiane Lúcio.

Ressocialização dos agressores

O acompanhamento com os agressores já existe para que haja a ressocialização. “Não é segregar, separar, existe também a preocupação do Estado, no intuito de ressocializar esses agressores para que eles não venham a reincidir, a gente sabe que é difícil, mas se não for feito nada é pior”, disse Paula Tainá.

“Homens que presenciaram esse tipo de agressão dentro do lar, do pai com a mãe, tendem a repetir, assim como mulheres que presenciaram tendem a suportar a agressão. É um problema muito complexo, é um ciclo vicioso, o ciclo precisa ser rompido e também a situação da família como um todo que sofre. Porque não é só a mulher que sofre, são os filhos, e inclusive em virtude da violência, existe a medida protetiva para os filhos. Dependendo da situação do caso concreto os filhos podem sim serem abraçados por essas medidas”, completou Paula Tainá.

Para Cárbia Cristine a medida protetiva inibe muita coisa. “ A medida já assusta, e também temos que ter políticas públicas, para trabalhar a mulher, tanto no apoio, como com capacitação, para que ela não dependa financeiramente do agressor, para que ela possa estudar. E cada um fazendo um pouquinho a gente consegue avançar, tivemos um avanço considerável, mas temos muito o que avançar, mas já conseguimos que as mulheres consigam se expor. O agressor também tem que ressocializar, pois ele pode ter problemas de álcool e drogas”.

É um consenso que a Lei Maria da Penha deu vertente para várias ramificações de outras Leis que também são englobadas na Maria da Penha para resguardar ainda mais a proteção daquela mulher e da família como um todo. Através dela vieram várias outras conquistas.

Para as advogadas a Lei precisa ser cumprida. “A gente precisa que a Lei seja cumprida e para isso é necessário que todos conheçam a legislação”, finalizou Cárbia Cristine.