Economia

“Guedes quer uma CPMF”, diz Marcos Cintra, ex-secretário da Receita

Maior entusiasta do imposto, o economista não desistiu da pauta que o derrubou

Por Veja 31/01/2020 08h08
“Guedes quer uma CPMF”, diz Marcos Cintra, ex-secretário da Receita
O ministro da Economia, Paulo Guedes - Foto: Adriano Machado / Reuters

Não se pode dizer que o ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra não seja um idealista. Demitido em setembro, depois de a discussão sobre a implementação de um novo imposto nos moldes da antiga CPMF — o famigerado e extinto “imposto do cheque” — ganhar corpo, ele continua inabalável em seus princípios. Ao falar a VEJA em seu escritório na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, o economista chegou a ficar com os olhos inundados quando abordou o tema. Para Cintra, o tal imposto é a única saída para o sistema tributário brasileiro.

Aos 74 anos, o ex-secretário garante que não sente mágoa por ter sido desligado do governo e que continua atuando em congruência com o ministro da Economia, Paulo Guedes, com quem seus ideais são bem alinhados — inclusive, assegura, quanto a uma nova CPMF. Isso, apesar do veto de Jair Bolsonaro a qualquer tipo de imposto sobre pagamentos. Cintra, aliás, critica a postura do presidente. Queixa-se de que ele poucas vezes o chamou para conversar a respeito da reforma tributária. Em outras oportunidades, porém, Bolsonaro o teria convocado para tratar das investigações que a Receita fazia sobre seus familiares. Leia a seguir a entrevista com Marcos Cintra.

Quando a discussão sobre reforma tributária ganhou fôlego, o senhor foi demitido pelo presidente Jair Bolsonaro. Ele não sabia que o imposto único era o trabalho de sua vida? Fui o primeiro economista a se sentar junto do ministro Paulo Guedes na formação da equipe e no desenvolvimento do plano de governo de Bolsonaro, no fim de 2017. Eu tenho escrito “imposto único” na testa. Não é uma discussão que surgiu recentemente e suscitou uma reação contrária do presidente. Já na campanha ficou claro que o tributo seria satanizado. Temos 12 milhões de desempregados, outros 5 milhões desalentados e precisamos trabalhar para desonerar a folha de pagamento. É a única saída.

E por que houve essa resistência pública, que culminou na demissão? O presidente enfatiza que não entende de economia e que confia no Posto Ipiranga, o Paulo Guedes. Mas Bolsonaro é muito suscetível ao que a imprensa e alguns setores da economia dizem. Esses segmentos foram veementemente contrários à CPMF, embora o que eu queria fazer tivesse pouca relação com esse imposto. Como disse: não é CPMF. É um imposto sobre pagamentos, diferente da antiga contribuição provisória sobre movimentação financeira — contra a qual votei no Congresso. A antiga CPMF teve sua finalidade, o financiamento da saúde, desvirtuada. O imposto sobre pagamentos que eu defendo é universal e recai sobre toda a economia, substituindo tributos sobre salários. O presidente entendeu que a opinião pública estava contra, e o tributo ficou satanizado. Ora, se Bolsonaro não apoia, é evidente que fica muito difícil avançar nessa discussão — ela nunca foi técnica, sempre foi essencialmente política.

Como o senhor avalia a sua demissão? Bolsonaro sempre teve uma visão muito atrelada à mídia. Ele não conseguiu se libertar desse preconceito que as pessoas têm contra o imposto sobre pagamentos. Eu sempre manifestei a minha crença nesse modelo, mas, se o presidente não concorda, eu não teria mais que fazer lá. Não estou em busca de um emprego, fui cumprir uma missão. Portanto, dei ao Guedes liberdade para que me exonerasse. Interpretei que poderia continuar defendendo a ideia de fora do Executivo — como estou fazendo.