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'Meu filho é guardião da floresta', diz mãe de brigadista preso

Voluntários trocaram São Paulo por Alter do Chão (PA) por vida sustentável na Amazônia

Por Folha de São Paulo 28/11/2019 11h11
'Meu filho é guardião da floresta', diz mãe de brigadista preso
'Meu filho é guardião da floresta', diz mãe de brigadista preso - Foto: Reprodução/Folha de SP

Eles optaram por viver na floresta. O lugar escolhido foi Alter do Chão, balneário paradisíaco às margens do rio Tapajós no município de Santarém (PA), destino em alta entre ecoturistas do mundo todo. 

Ali a exuberância verde da Amazônia se reflete em praias de areias brancas, cenário que conquistou à primeira vista os quatro brigadistas voluntários presos na Operação Fogo no Sarié nesta terça-feira (26).

Eles foram acusados de serem autores dos incêndios que castigaram a região em setembro. 

Ao longo dos últimos dez anos, cada um dos quatro paulistas fez o mesmo movimento em momentos distintos: filhos de classe média e média alta de São Paulo, os profissionais liberais trocaram a metrópole por Alter do Chão, optando por um estilo de vida conectado com a natureza e eco-sustentável.

Opção que faz com que familiares e amigos tenham ficado entre surpresos e inconformados com a prisão considerada injusta e injustificada. "Meu filho é um guardião da floresta", afirma Patrícia Romano, mãe de João Victor Romano, 27. “Acreditamos na verdade e ela vai aparecer.”

Para a professora de dança, o editor de vídeo jamais cometeria um crime ambiental.

“Ele escolheu a Amazônia como lar por amor à floresta. Mora no meio do mato. A casa dele é uma maloca sem parede, sem geladeira. O único móvel é um assento daqueles de Kombi que serve de sofá. Ele vive assim por opção”,  descreve.

Patrícia programa embarcar de São Paulo para o Pará nesta quinta para dar suporte ao filho e à nora, que está cuidando sozinha de dois filhos pequenos.

A francesa Manuela Jeanne Yael, 33, vive há nove anos no Brasil e se casou com João em agosto de 2017. O casal tem uma filha de dez meses, Satya Ananda. Ele ajuda a criar também a maior, Pacha Esperança, 7, fruto de outro relacionamento da professora de teatro formada pela Sorbonne, que também se apaixonou pela Amazônia.

“Estou indignada e muito triste com a prisão deles”, diz Manu. Ela viu abalada a tranquilidade da casa ecológica em que vivem em uma reserva privada, povoada de macacos e tamanduás, nos arredores de Alter do Chão.

Manu conta que os policiais chegaram de madrugada e foram cuidadosos com o fato de as duas crianças estarem dormindo. Apreenderam fotos e computadores, após revistarem a residência que tem luz solar, banheiro seco e fossa de bananeira.

Outros dois brigadistas presos também são adeptos da bioconstrução e difusores das chamadas construções ecológicas na região.

O fotógrafo Daniel Gutierrez, 35, e o economista Marcelo Cwener, 35, fazem parte do PermaAlter. O coletivo de permacultura prioriza o uso de matérias-primas que não agridem o  meio ambiente e reaproveitam recursos naturais para redução de impacto e custos.

Empreendedor na Amazônia há cinco anos, Marcelo co-criou a Maloca Viva, espaço ecológico focado em desenvolvimento humano. É guia turístico e dono da Marupiara Expedições, agência de turismo fluvial.

Sua mulher, Adriana, não quis dar entrevista, mas enviou um breve perfil do marido pelo WhatsApp. Eles têm dois filhos pequenos. A mãe de Marcelo está hospitalizada e ainda não havia sido informada da prisão do filho até a noite desta quarta-feira.

Também na região há cinco anos, Daniel idealizou a brigada voluntária local. "Ele foi o líder que imaginou e concretizou o projeto de criar um grupo estratégico para atuar no combate aos incêndios", relata a arquiteta Penelope Casal de Rey, 35, companheira de Daniel há dois anos. 

Segundo ela, o jornalista fez todo a articulação na comunidade e com autoridades, um trabalho de diplomacia para que a brigada fosse engajada socialmente e tivesse participação de mulheres e lideranças caboclas e indígenas. “Ele sonhou isso há um ano atrás."

João Victor foi parceiro de primeira hora na organização da brigada. Os dois amigos passaram pela mesma formação em 2018 no 4° GBM (Grupamento Bombeiro Militar) em Bel Terra, ao lado de outros quatro moradores de Alter do Chão, núcleo inicial da futura brigada.

“João começou apagando incêndio ao lado de casa. Sem experiência, quase perdeu o olho. Não usava equipamento de proteção”, diz a mãe.

Patrícia relata que o filho entrou para a brigada quase como uma missão após saber da morte de um brigadista que conheceu na Chapada dos Veadeiros (GO). 

O destino do quarteto se cruzou em definitivo ao decidirem se unir diante das queimadas na região. João e Daniel são presidente e vice, respectivamente, do Instituto Aquífero Alter do Chão, o braço institucional da brigada, cujas contas estão sob suspeição pela Polícia Civil, ao solicitar o indiciamento dos líderes brigadistas.

O tesoureiro do instituto é Gustavo Fernandes, 35, quarto preso na operação. Ele também é funcionário da Saúde e Alegria, ONG que foi objeto de um mandado de busca e apreensão.

Diretor de logística, ele estava envolvido na organização jornada cirúrgica prevista para este final de semana, quando a instituição e parceiros, como os Expedicionários da Saúde, programam realizar 400 cirurgias em comunidades ribeirinhas.

“Recebemos a notícia da prisão pela mídia com incredulidade. É uma injustiça de cortar o coração”, diz Guilherme Fernandes, irmão do paulistano formado em Turismo pela PUC-SP, que em 2015 se mudou de mala e cuia para Alter do Chão. "Gustavo foi apagar fogo usando chinelo havaiana."

Engajado social e ambientalmente, o brigadista é também voluntário em creches e participa de ações como servir sopa em comunidades indígenas da região. “É um exemplo de altruísmo e solidariedade. Tira do prato dele para alimentar o outro”, afirma o irmão.

Gustavo vive no Pará com a namorada. O pai dele, um engenheiro elétrico radicado em São Paulo, viajou para Alter do Chão após a prisão para acompanhar de perto o desenrolar do caso.

 “Rasparam a cabeça deles em um show midiático para criminalizá-los”, lamenta Guilherme, lembrando que se trata de uma contestada prisão preventiva. “Os brigadistas tiveram tratamento de presidiário com sentença transitada em julgado.”

Após visitá-lo na prisão, o advogado tranquilizou a família de João, que é muito espiritualizado . “Ele está muito forte”, diz a mãe do voluntário, que usava cabelos longos e barba. 

Ao visitar o marido na delegacia na terça, Penelope saiu certa de que Daniel e os três amigos vão sair mais fortes deste episódio. “Dani é calmo e muito centrado. Está chateado, sente tudo isso como um ataque profundo, mas está de cabeça erguida, assim como todos nós estamos. Nossa vida é idônea, íntegra e plena.”