Polícia

Juiz é afastado após ceder celular para detento fotografar cela precária

João Marcos Buch entregou seu aparelho para averiguar o resultado de uma explosão ocorrida na Penitenciária Industrial de Joinville

Por Carta Capital 29/10/2019 08h08
Juiz é afastado após ceder celular para detento fotografar cela precária
Juiz é afastado após ceder celular para detento fotografar cela precária - Foto: Carta Capital

Um caso inédito na justiça brasileira aconteceu na semana passada, em Joinville, Santa Catarina. O juiz João Marcos Buch foi impedido de seguir em um processo pelo Tribunal de Justiça do estado depois de emprestar o próprio celular para um preso tirar fotos das condições precárias de uma cela durante uma vistoria na Penitenciária Industrial de Joinville.

Segundo a decisão dos desembargadores, que acataram o pedido feito pelo Ministério Público, o juiz perdeu a imparcialidade após entregar seu aparelho para o preso, que foi condenado por Buch pelo crime de roubo. Para os magistrados, o juiz atuou no caso como testemunha do processo, o que é proibido pelo Código de Processo Penal.

O episódio aconteceu em junho deste ano. Buch foi até a penitenciária fazer uma fiscalização, como determina a Lei de Execução Penal, e ouviu dos detentos que uma explosão havia acontecido dentro da cela que hospeda a ala destinada aos presos do regime semiaberto.

Como o juiz não pôde entrar no local, pois estava fechado, ele pediu para que o preso tirasse uma foto a fim de abrir um pedido para resolver o problema. Buch, então, bloqueou a tela do seu aparelho e o entregou apenas com a função da câmera disponível.

O detento fez imagens que mostram um problema elétrico e a falta de estrutura dentro das celas. Nos autos da vistoria, o magistrado exige uma inspeção urgente do Corpo de Bombeiros, já que ocorreu uma explosão, seguida de um princípio de incêndio no equipamento.

Durante a visita, Buch identificou ainda superlotação e problemas estruturais em sanitários na ala destinada aos presos do regime semiaberto. Também foram encontrados presos com problemas de pele sem tratamento adequado.

Além de Buch ser afastado do caso, o preso também foi penalizado, pois utilizou um aparelho celular dentro do cárcere, o que é proibido pela lei. O juiz que assumir o caso irá decidir sua punição.

Para o advogado, professor de Direito Constitucional e membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB Federal Ruy Samuel Espíndola, o fato de Buch ter feito o ato na frente de testemunhas – agentes penitenciários e presos –  jamais poderia ser entendido como transgressor de norma penal ou disciplinar.

“A conduta judiciária do douto João Marcos, além de acolhida pelo direito, como exercício regular de um dever legal e moral, é atípica penal e disciplinarmente, pois como juiz corregedor lhe compete deferir autorização legal para tal, sendo de sua estrita alçada avaliar a conveniência e oportunidade do ato”, explica Espíndola.

Para o jurista, o caso deve ser arquivado imediatamente. “Em sua ingente luta para tornar mais humano o tratamento social dos encarcerados, com reflexos positivos para todo o País, esse tema deverá receber o selo de arquivamento, por justiça e legalidade”, defende o advogado.

Outros especialistas ouvidos pela reportagem, que não quiseram revelar suas identidades, defendem que o caso também deva ser arquivado. Isso porque o que Buch fez, segundo eles, está previsto no Código de Processo Penal e deveria servir de exemplo, e não punição, para todos os juízes.

Um juiz na defesa dos direitos humanos

Buch é conhecido no meio jurídico por seu trabalho na defesa dos direitos humanos dentro do cárcere. Indo na contramão da onda punitivista, ele defende alternativas à prisão e políticas para garantir a dignidade das pessoas que estão presas.

Além de penas alternativas, Buch tem colocado em prática o que a Constituição deixa muito bem claro: a ressocialização dentro do cárcere. Clube de leitura, ateliê de poesia, trabalho com arte, direito a banho de sol, entre outras decisões. Tudo isso diminuindo o tempo de prisão para cada ação realizada.

Não foi a primeira vez que o magistrado realizou inspeção dentro do cárcere. Em 2014, junto do então ministro do STF e presidente do CNJ Joaquim Barbosa, realizou um mutirão no Presídio Central de Porto Alegre para fiscalizar as condições da unidade.

A ação não só foi elogiada pelo CNJ como, à época, o órgão determinou esvaziamento do presídio por ter encontrado risco de incêndio, condições precárias de higiene e estado paralelo imposto por facções criminosas.

Procurado, Buch informou, por meio de sua assessoria, que não iria se manifestar. Informou apenas que segue responsável por nove mil casos em Joinville. O Ministério Público de Santa Catarina não respondeu à reportagem.