Política

Os arrependidos não têm razão: Bolsonaro é um homem de palavra

Por mais duro que seja reconhecê-lo, é fato que o presidente se manteve coerente. Ele é o mesmo pré e pós-eleições

Por Carta Capital 11/09/2019 09h09
Os arrependidos não têm razão: Bolsonaro é um homem de palavra
Presidente Jair Bolsonaro - Foto: Reprodução

Embora tenha se estabilizado ultimamente, o número de eleitores arrependidos do presidente aumentou significativamente já nos primeiros meses de mandato. Inclusive alguns cabos eleitorais ilustres já manifestaram publicamente sua decepção. Nenhum presidente democraticamente eleito havia sofrido tamanha queda de popularidade em tão pouco tempo no posto.

Uma pergunta fica: por que a desilusão com o candidato outrora apoiado se, eleito, ele faz justamente o que disse que faria e se porta como sempre se portou? Na escolha do candidato ou candidata, os eleitores geralmente olham para trás e para frente. Examinam seu histórico político e suas promessas de campanha. Avaliam como vem atuado e quais são as perspectivas de sua atuação futura.

É duro reconhecer, mas se há uma coisa de que Bolsonaro não pode ser acusado é de traição, de estelionato eleitoral. Infelizmente, ele é homem de palavra. Ele fez e vem fazendo justamente o que disse que faria. Por mais duro que seja reconhecê-lo, é fato que o presidente se manteve coerente. Ele é o mesmo pré e pós-eleições.

Finda a apuração de votos, na sua primeira declaração como presidente eleito, o cenário já se delineava: bravatas, português capenga, pobreza argumentativa, reacionarismo, perseguição, invenção de inimigos, esquecimento da laicidade do Estado, incitação ao ódio e à violência e uma lista de retrocessos. Ele é o que sempre foi. E vem sendo o que disse que seria.

Exatamente por isso (mas não só) ganhou as eleições. Ignorante, grosseiro, inculto, agressivo, puxa-saco, mentiroso, corrupto, chantagista, descontrolado, arrogante, inútil e autoritário, o fato é que assim convenceu os votantes de 2018. Um exemplo de coerência e linearidade em sua trajetória política. Neste sentido – que ironia – Bolsonaro foi, sim, uma escolha segura. Para quem o elegeu, claro.

Assim, temos um mistério: quais são as razões do arrependimento de tantos eleitores com o candidato eleito, se ele se mantém coerente com seu passado parlamentar e trabalha justamente nas pautas que prometera? Como se decepcionar com alguém que fez exatamente o que se esperava que ele fizesse? E sobretudo quando se votou nele justamente com esta esperança? Onde está a frustração na confirmação das expectativas? Quem se decepciona com a realização de um objetivo? Ninguém se diga enganado.

Foram entregues conforme o combinado sua vassalagem diplomática; sua aversão à cultura, à arte, à ciência e à tecnologia; seu empenho em destruir direitos sociais, trabalhistas e previdenciários; sua irresponsabilidade ambiental; seu desmanche da educação; sua ignorância convicta e ostensiva, sua recusa obtusa à perícia, à técnica, aos dados e evidências científicas; sua equipe medíocre, bestializada e lunática; seus palavrões, sua inépcia, sua mediocridade; suas fugas covardes perante jornalistas; suas piadas infames, seu pavor de mulheres, de negros, de nordestinos e de LGBTs; sua obsessão com a sexualidade alheia, com pênis de orientais, com cocôs, com golden showers e escatologias afins; sua cara nos jornais como chacota internacional ao redor do mundo; sua apologia a torturadores e a ditaduras.

O presidente é isso aí. Sempre foi. E fez disso sua plataforma política. E assim angariou eleitores suficientes para se eleger. Não era isso que queriam? Está aí. A esta altura, pelo que parece, camisa da seleção, coreografia cafona, guerra de memes, fake news e arminha com as mãos não têm alcançado resultados positivos. Pelo menos segundo a Fiocruz, IBGE, INPE…

Parece, enfim, que alguns dos que foram iludidos com os autointitulados “nova política” parecem ter descoberto que não há nada mais velho na política do que se declarar da nova política. Como certo partido, que se chama Novo mesmo sustentando agendas políticas do século XVIII. Nada mais antigo do que se vender como novidade.

Aos que não queriam o PT de jeito nenhum, cabe perguntarem-se se o preço pago pela sustentação da rejeição foi justo. Os que buscavam alternativas à direita precisam lembrar que havia outros nomes. Os que fizeram de seu voto um voto útil, precisam agora avaliar sua real utilidade.

Quem esperava o posterior ajuste do sujeito à liturgia do cargo, convém deixar de ser criança. A quem mantém o apoio apenas para justificar o voto, óleo de peroba. Aos ressentidos que viram na figura presidencial a oportunidade de uma vingança difusa por espaços e privilégios ameaçados, divã. Aos que queriam implosão, mesmo, parabéns. O fiasco é de vocês. Se o arrependimento aparentemente não tem causas, pelo menos pode ter consequências, didáticas, quanto ao resgate da política.

Neste sentido, compreender as razões dos arrependidos sem razão, as motivações dos decepcionados sem motivo é fundamental para o restabelecimento do jogo, do clima e do arranjo institucional democráticos.

Os profissionais de Ciências Humanas têm uma enorme tarefa pela frente: desvendar, mais uma vez, por que “o fascismo é fascinante e deixa a gente ignorante e fascinada” (vamos tomar partido, senhor compositor?).

Para que tracemos estratégias de combate de fake news e de formação de bolhas difamatórias, em favor de uma arena séria de debate público. Para que formemos, assim, cidadãos críticos, menos iludidos com discursos beligerantes que escondem a ausência de projetos consistentes de nação. E para que os incautos arrependidos sem motivo não caiam mais nas armadilhas retóricas e midiáticas, e finalmente possam voltar ao convívio social e familiar sem serem lembrados, diariamente, de que foram avisados pelos que avisaram.