Capital

Antigo prédio do INSS vira favela vertical em Maceió

Por 7 Segundos com Uol 30/10/2015 10h10
Antigo prédio do INSS vira favela vertical em Maceió
- Foto: Beto Macário/ Uol

As paredes estão cheias de buracos, fios improvisados mal iluminam as salas, o cheiro de lixo, urina e fezes impregna o ambiente, não há água nos canos e ratos, baratas e aranhas circulam por todos os lados. É nesse cenário de penúria que vivem 120 famílias na favela vertical que se instalou na antigo sede do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) em pleno centro comercial de Maceió.

O edifício, que fica ao lado das lojas da rua do Comércio -- uma das mais movimentadas da capital alagoana, começou a ser ocupado por essas famílias em junho de 2013. Na época, elas haviam sido despejadas de uma favela no bairro da Santa Lúcia, periferia da capital alagoana. Aos poucos, essas pessoas foram transformando as salas que já tiveram ar condicionado, computadores e mesas de escritório em moradias improvisadas e miseráveis.

Com a energia cortada, os moradores fizeram ligações clandestinas, puxando diretamente dos postes. Os fios -- alguns desencapados -- estão por toda parte. Como não existe abastecimento de água, eles pegam o líquido de um camelódromo que fica em frente ao prédio para tomar banho e cozinhar.

Urinar e defecar só em sacolas e latas. Depois, eles jogam os restos em um lixão criado na parte central do prédio e que já acumula mais de um metro de altura. O mau cheiro criado pelo lixão é sentido inclusive do lado de fora.

Para entrar no edifício Humberto Santa Cruz, um buraco foi feito na parede. Uma porta improvisada foi criada com um pedaço de madeira apoiado por uma peça de cimento, que faz contrapeso.

Por toda parte, as paredes têm rachaduras e buracos -- em muitos casos é possível ver as vigas de sustentação expostas e enferrujadas.

Ao entrar, uma montanha de lixo acumulado dá as boas-vindas aos visitantes. "Ninguém recolhe nada, não existimos para o governo", explica Carlinda Vasconcelos, 32, que mora com mais cinco pessoas em um cômodo no primeiro andar do prédio e é uma espécie de síndica da favela vertical.

Entre os moradores, o Bolsa Família é a fonte de sustento de praticamente todos. Carlinda diz que recebe R$ 182 do programa para sustentar a todos. Sem fogão, ela conta que faz comida com uma panela elétrica -- já que não paga pelo fornecimento de energia. "Não tenho como comprar o gás"

Para quem tem crianças, existe ainda o risco de quedas. Em 2013, pouco após chegarem, um acidente deixou os moradores traumatizados: uma criança de nove anos caiu do quarto andar do prédio e morreu. "A mãe entrou em depressão e deixou o prédio", conta Vasconcelos.

Completamente vulneráveis, os moradores têm também que conviver com o medo de invasores indesejáveis. "Já invadiram aqui para usar drogas, cometer crimes. Já tocaram fogo", relata a "síndica".

Para escapar dos animais peçonhentos, Antônia Anita, 61, que mora com a neta, improvisou uma porta na entrada da escada, feita com um pedaço de tábua. "Se não colocar, os ratos sobem e invadem o quarto", diz. Para ela, a falta de um banheiro é um dos pontos mais graves. "Tem que fazer as necessidades numa sacola, tomar banho em balde. Isso não é vida", afirma.

Aos cinco meses de gravidez, Janaína Maria dos Santos, 20, tem sofrimento duplo. Mãe de outros três filhos, ela reclamava de um problema de saúde durante a visita do UOL. "Estou com muitas dores nas pernas, acho que por carregar muita água. Aqui a sujeira é grande, as crianças vivem adoecendo. Como não temos médicos, temos de levar para emergência, é muito ruim", conta.

Patrícia Santos da Silva, 27, mora com dois filhos e também reclama que as crianças já adoeceram várias vezes com infecções. Em uma das vezes, precisou de internação. "Aqui em muita sujeira, traz muita doença. Não temos nada, somos esquecidos. Há mais de dois anos demos nossos nomes para um cadastro e nada de chamar", diz.

Boa convivência

Se a estrutura é precária, a convivência entre os moradores ajuda a dividir o sentimento de esquecimento.

Antônio Jacinto dos Santos, 64, morava em uma barraca de lona e hoje mora só em um dos cômodos e diz que a conversa com os moradores ajuda a passar o tempo. "Aqui não tem banheiro, não tem nada. É um sofrimento grande, não tem condição, mas a gente, pelo menos, se gosta, isso ajuda", diz.

Geovani Constantino, 64, mora com o filho e precisa de muleta para se locomover e, por isso, foi "beneficiado" com um cômodo no térreo. "A vida aqui é muito complicada, tem que sair para pegar água todo dia. Só sabe quem vive, ainda bem que me ajudam", conta.

Maria Quitéria da Silva, 54, mora só, não tem emprego e ajuda a cuidar de duas crianças que moram no local. "O pai está doente e mãe trabalhando, aí fico cuidando deles. Aqui a gente se ajuda, porque senão o sofrimento é maior", relata.

Edmílson Santos, 38, por exemplo, mora no térreo e sobrevive com o dinheiro que arrecada de um mercado improvisado que montou em seu cômodo. "É meu ganha-pão. Aqui eu ajudo as pessoas vendendo coisas, e elas também me ajudam. Dá pra comer com o que ganho", disse.

Santos conta que veio morar com a mulher no edifício, mas logo se separou. "Ela não aguentou viver aqui. Aqui só se mora quando é o jeito, porque não tem outro lugar para ir", afirmou.

Desocupação iminente

O prédio onde as 120 famílias vivem pertence hoje à Engenharia de Materiais Ltda., de Maceió, que o arrematou em leilão em novembro de 2014. Os moradores sabem que o futuro no local é por pouco tempo, já que a desocupação do prédio já foi determinada.

O prazo dado pela Justiça Federal para saída voluntária do prédio foi 31 de agosto. Como se recusaram a deixar, a ordem de retirada deve ser cumprida com força policial, mas ainda não há data para que isso ocorra.

"Estamos esperando o desfecho porque não temos para onde ir. Muita gente pensa que estamos aqui porque queremos, mas quem gosta de viver num lugar desses?", lamenta Carlinda, a "síndica".

Aos 75 anos, Valdemar da Silva, nunca teve uma casa própria. "Morava no meu barraco lá no Santa Lúcia e mandaram derrubar. Agora quero muito que a prefeitura nos dê uma casa para que finalmente tenha meu cantinho", afirma.

Famílias já foram cadastradas

Em nota enviada ao UOL, a Secretaria Municipal de Habitação informou que as famílias já foram cadastradas nos programas habitacionais do governo federal. "As que se encaixam nos critérios estabelecidos pelo Ministério das Cidades serão beneficiadas com unidades em um dos conjuntos habitacionais em construção pelo Município", afirmou, sem dar prazo para entrega.

A advogada da empresa vencedora do leilão, Adriana Alves, diz que ainda aguarda a entrega oficial do bem. "Não é preciso entrar com pedido para saída dos moradores lá. Como o bem está em garantia de uma ação judicial de execução fiscal, o arrematante tem com consequência receber o bem livre. E quem toma a frente disso é a própria Justiça, não entramos com pedido", afirma. "Estamos cobrando, em cima, buscando a efetivação da medida da arrematação".

A advogada ainda explicou que a empresa não tem planos ainda de qual será a destinação do prédio. "Até porque a empresa não recebeu o prédio, não teve acesso às instalações. Os diretores vão decidir futuramente", finaliza.

Procurado pelo reportagem, o INSS informou que não possui mais qualquer responsabilidade pelo prédio.