Covid -19

Infectologista de Alagoas confirma alteração hepática em pacientes que usaram ivermectina

Médico afirma que não há, no momento, caso de falência hepática no Estado

Por Patrícia Bastos/ 7Segundos 28/03/2021 07h07 - Atualizado em 28/03/2021 07h07
Infectologista de Alagoas confirma alteração hepática em pacientes que usaram ivermectina
Fernando Maia, infectologista - Foto: Ascom Helvio Auto

Além da cloroquina exaltada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), outro medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento ou “prevenção” da Covid-19 voltou aos holofotes nas últimas semanas: a ivermectina. Não porque a substância cumpre o que prometem as correntes de WhatsApp, mas por seus efeitos adversos, que podem levar a hepatite medicamentosa ou até a falência do fígado. De acordo com reportagens publicadas no início da semana em veículos de comunicação no Sudeste, a medicação teria colocado cinco pessoas na fila do transplante de fígado em São Paulo e Santa Catarina. Dois desses pacientes não resistiram a hepatite medicamentosa e morreram.

Em Alagoas, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) não registrou, até o momento, caso de pessoa que desenvolveu problemas de saúde após o uso da medicação. Mas de acordo com o médico infectologista Fernando Maia, os exames feitos por pacientes de Covid-19 apresentam alterações hepáticas devido o uso da substância.

“Quando a gente faz exames de rotina nos pacientes, a gente avalia hemograma, função hepática, função renal, entre outros e a gente tem visto que nos pacientes que relatam ter tomado ivermectina, as taxas de funcionamento do fígado alteram mais do que seria esperado. Ou então quando a gente vê esses valores alterados, já sabemos que o paciente tava tomando ivermectina de forma profilática. Essa é uma situação comum”, declarou o médico.

Uso prolongado ou de altas doses de ivermectina podem causar falência hepática (Ilustração)

Ivermectina é um vermicida, geralmente indicado para o tratamento de sarna e piolho. Desde o início da pandemia, o remédio é falsamente propagado como tratamento preventivo ou capaz de amenizar os sintomas da infecção provocada pelo coronavírus, juntamente com outras substâncias, como azitromicina, zinco, vitamina D e cloroquina. Mas assim como este último, não tem qualquer eficácia comprovada de acordo com estudos científicos. Até mesmo o laboratório Merck, que era detentor da patente da ivermectina até 1996, divulgou comunicado informando que não existem dados consolidados quando à utilização da substância para o tratamento da Covid-19.

A Associação Médica Brasileira (AMB), que no passado defendeu a autonomia do médico na prescrição desses medicamentos, no início da semana divulgou uma nota dizendo que o uso dos medicamentos: hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectin, nitazoxanida, azitromicina e colchicina devem ser banidos do tratamento da Covid-19. A mudança de posicionamento aconteceu após um comitê criado pelo órgão revisar os estudos científicos sobre a eficácia desses medicamentos para combater a infecção provocada pelo coronavírus.

Kit Covid

Algumas prefeituras distribuem "kits covid" com remédios sem eficiência comprovada (ilustração)

Mesmo assim, além das vendas do medicamento explodirem desde março do ano passado, a substância passou a ser receitada por médicos e a integrar o “kit covid”, que é dado aos pacientes que buscam atendimento médico em unidades de saúde públicas. Em alguns casos, é receitado até mesmo antes de o paciente receber o resultado do teste, como tratamento preventivo ou profilático.

“Esses municípios que estão disponibilizando esse tal de kit covid estão indo contra o que as evidências científicas mostram. Os estudos mostram claramente que nenhuma dessas drogas que estão sendo utilizadas, cloroquina, ivermectina, vitamina C, zinco, vitamina C, colchicina não tem qualquer efeito contra a Covid-19, seja como profilaxia [prevenção] ou como tratamento. Infelizmente essas prefeituras estão apostando em um tratamento que quem trabalha atendendo o paciente, como é meu caso, vê claramente que não funciona”, explicou Fernando Maia.

Além das alterações no funcionamento dos rins, o médico chama atenção para outros efeitos adversos devido o uso dos medicamentos, principalmente em dosagens altas ou de forma prolongada. O dito popular “se bem não faz, mal também não vai fazer”, nesse caso pode ser bem perigoso. “Cada medicamento tem efeito diferente sobre o organismo. Entre esses, os mais agressivos são a cloroquina, que pode causar arritmia cardíaca, e a ivermectina, que pode causar lesão hepática”, explicou.

Olhos amarelos

As lesões que o infectologista se refere são compatíveis com o quadro também chamado de hepatite medicamentosa, que acontece quando remédio provoca lesões nos dutos biliares, responsáveis por levar a bile até o intestino. Os sintomas mais visíveis são pele e olhos amarelados, mas o problema também pode causar enjoo, cansaço e até confusão mental.

Hepatite medicamentosa pode deixar olhos e pele amarelados (Ilustração/Ministério da Saúde)

Na maioria dos casos, as alterações hepáticas pelo uso de ivermectina desaparecem com o passar do tempo e a pessoa não desenvolve a hepatite medicamentosa. “Normalmente essa alteração no funcionamento do fígado é passageira e se resolve espontaneamente. Mas em alguns poucos casos podem levar a esses quadros que foram relatados, como a insuficiência hepática agora e levar o paciente a precisar de um transplante de fígado. As complicações [que o uso da ivermectina podem provocar] são imediatas, não é a longo prazo”, ressaltou.